MARIA — (...) pensava ser actriz. Pensávamos as quatro. Nós três... e ela. Mas o Verão acabou e eu fui parar às dobragens. E por lá fiquei. Dou a minha voz a uma actriz de verdade, mudo a língua dela pela minha, procuro fazê-lo bem. Já sei o que estão a pensar. Uma tarefa baixa, uma tarefa quase indigna. Pelo menos indigna de vocês- Um trabalho, aliás, bem efémero. Há cem anos as dobragens não existiam. E daqui a cem anos, penso eu, não quero ser profeta, também não hão-de existir. Haverá outra maneira, sei lá qual. Nessa altura, alguém vai encontrar a palavra "dobragem" numsítio qualquer, mas não vai perceber. Terá acabado. Pode ser que aconteça assim. Oh, que pena! Não vos dá pena? Lamento muito, mas sou o vosso espelho. Podem zangar-se, podem discutir qual das duas teve mais noites triunfais, mas tudo passará, vocês e a vossa memória, assim como a memória das grandes ou pequenas obras que tenham representado. Porque é que não sossegam? Vamos lá, deixem correr o tempo e até Sahkespeare desaparecerá. Shakespeare? É um questão de tempo. (Pausa.) Não há futuro. Nada é imortal. E vocês no fundo supõem o contrário. Não, lamento. Nada. Saber isto ajuda a levar a vida com uma certa serenidade e sem ressentimentos. Sem qualquer ressentimento por histórias antigas de tempos passados. (Pausa.) Bem, pode ser que fique sempre um pouco de ressentimento. (Pausa.) Mudando de assunto. Sabes o que se diz de ti, Glòria? Que és frígida. E sabes o que se diz de ti, Assumpra? Que passaste por cima de toda a gente que se cruzou no teu caminho. (Pausa.) Agora podem-se ir embora. Boa noite.
Josep M. Benet i Jornet, op. cit., pp. 99-100