2009 foi um ano atípico. Inércia, dificuldade em acompanhar o circuito de estreias cinematográficas e quase total ignorância quanto aos lançamentos de álbuns (lamentavelmente no campo do jazz. Aqui, fiquei-me por alguns concertos).
No cinema, destaco (e faltou-me ver muita coisa), dois filmes vindos dos EUA,
Gran Torino (2009, Clint Eastwood) - a obra-prima -, e a surpresa,
The Wrestler (2008), de Darren Aronofsky (cujas primeiras duas longas-metragens foram apenas exercícios de estilo); bem como um realizador que nunca deixa de me seduzir (não teve distribuição comercial em PT, penso que passou no IndieLisboa), Christophe Honoré, com
La belle personne (2008) - cinema pop-musical fazendo pandam (extrema coerência temática, actores recorrentes, espaço social) com os anteriores dois filmes (
Les chansons d'amour [2007] e
Dans Paris [2006]), o que configura uma trilogia da
jeunesse bourgeoise parisiense. Apontamento para a curiosa comédia de dois argumentistas estreantes na realização (seguindo os passos de Preston Sturges, o eterno pioneiro - ciclo dele actualmente na Cinemateca),
I Love You Philip Morris (2009, de Glenn Ficarra e John Requa), em que a excepcional interpretação de Ewan McGregor é o ponto alto (sendo que não houve nenhuma comédia à altura da melhor de 2008,
The Darjeeling Limited [2007] de Wes Anderson - o seu melhor filme).
Two Lovers (2008), de James Gray.
La mujer sin cabeza (2008) - lembrando o
Deserto Vermelho de Antonioni e a sua protagonista -, de Lucrecia Martel, que não foi nenhuma desilusão, ao contrário de muito do que foi apontado, mas mais uma bela adição à sua filmografia.
Gake no ue no Ponyo (2008, Miyazaki - o mestre do cinema d'animação), sendo a banda-sonora demasiado pomposa o único senão deste deslumbrante filme (talvez o seu melhor deste
Monoke, 1997).
Star Trek (2009) do produtor de
Lost, JJ Abrams, foi o bright side dos filmes de acção (
Avatar coloca-se a seguir); a par de
Vengeance (2009), de Johnnie To grande realizador de Hong Kong, (juntamente com Wong Kar-Wai), um belo
film noir, que será uma pena se nunca chegar a estrear em Portugal. Já me esquecia do unânime
Inglorious Basterds (2009, Tarantino), que está aqui (e em todo o lado) com todo o mérito.
[filmes que ficaram por ver (por preguiça, desleixe, ausência física, e falta de tempo): The Limits of Control, Jim Jarmusch - um dos meu realizadores contemporâneos preferidos; Public Enemies (2009), de Mann, cujo anterior filme foi uma muito agradável surpresa; Singularidades de uma rapariga loura (2009, Oliveira), título apelativo (e deivertido) do Eça; 35 Shots of Rum (2009), de Claire Denis (que foi assistente de realização de Jarmusch, e percebe-se) e cujo Vendredi soir (2002), é uma maravilha de ritmo e sensibilidade/ sensualidade e sonho - belo (e simples); The Hurt Locker (2008) de Kathryn Bigelow; Milk (2009), do 'meu' predilecto Van Sant, e por essa razão ainda não sei porque não vi, tive várias oportunidades- negação do prazer, relutância?; Still walking/Andando (2008), de Hirokazu Koreeda; Les plages d'Agnès (2008), de Agnès Varda; e o último a estrear em 2009, Un prophète, (2009) de Jacques Audiard.]
Nota altamente
negativa para o último Von Trier,
Antichrist, entra no balanço negro do ano: é um tremendo erro, filme desastroso e desgraçado, já não é cinema, mas um programa de agressão contra o espectador, uma tortura deliberada, panfleto infantil (literalmente não existe argumento ou escrita), a violência sem propósito, exercício altamente desnecessário de esquizofrenia do realizador, que já fez coisas belíssimas, entre outras, as que mais abaixo indicamos; em princípio, chega a Portugal no final de Janeiro e não tem nada a dar. Provavelmente daqui a 11 meses entrará em algumas listas do ano (de 2010), sem dúvida exibicionistas e arrogantes, bem como sem nenhuma sensibilidade cinematográfica.
Porque estrangeirado perdi o IndieLisboa, restou-me o DocLisboa. Aí, com falta de tempo, armas apontadas a
Jonas Mekas - no primeiro filme Lost, Lost, Lost, só se interessa com a memória; depois, a partir dos anos 50, passa a captar a realidade imediata, espontânea (de improviso), sem plano (nunca planeia o momento de filmar): manifestação de pulsões, desejos, imprevistos e sensibilidade -, destacando principalmente
Reminisciencies of a Journey to Lithuania (1971-72) e
Walden (1969). Também o último documentário do mestre Frederick Wiseman,
La Danse (2009)
Na Cinemateca, no Forum des Images e por aí fora, a
história do cinema:
La Maman et la Putain (1973), a revelação cinematográfica, talvez o filme que mais me marcou em 2009, o preto e branco de Jean Eustache. Recentemente, um tesouro da comédia (a pôr ao lado do melhor Lubitsch),
The Lady Eve (1941), de Preston Sturges. O musical sonhador(-fantasia) com
Les Demoiselles de Rochefort (1967, Jacques Demy). O ascetismo e violência de
Werner Herzog, com
L'enigne de Kasper Hauser (1974) e o absoluto
Woyzeck (1979), que depois da retrospectiva integral no Centre Georges Pompidou veio dar um saltinho ao IndieLisboa. No Musée d'Orsay, nunca mudo (e com acompanhamentos ao piano ou percursão),
Blind Husbands (1919), estreia sublime de Stroheim, e
Greed (1923) - eterna obra mutilada (o deserto, o deserto...).
Morte a Venezia (1971, Visconti), pela persistência do 4º andamento da 5ª Sinfonia de Mahler - despontando auditivamente mesmo meio ano depois de ter visto o filme - que nunca mais se desligou do filme, e o livro que também perdeu a sua independência - Visconti apoderou-se de ambos.
La ragazza con la valigia (1961, Zurlini).
L'homme blessé (1982), de Patrice Chéreau, filme intenso e perturbador, que serve para quem quiser perceber donde poderá vir a primeira longa de João Pedro Rodrigues,
O Fantasma (2000).
Les rendez-vous d'Anna (1978), de Chantal Akerman, um filme algo auto-biográfico em que a solidão e a impossibilidade do amor são temas de fundo - filme de não-lugares, road-movie -, a personagem principal, Anna, é como um espectro.
The Idiots (1998), filme que vai descambando até ao penoso final, e a única e genuína (e quase genial) comédia (pós-moderna) de Lars Von Trier,
The Boss of It All (2006). Foi também o ano da confirmação de
Luis Buñuel como uma das minhas mais altas referências pessoais (comédia, heresia, perversão, pulsões, desejo):
El Bruto (1953),
Los Olvidados (1950),
Él (1953 - o mais genial dos que aqui se enunciam),
Le Charme Discret de la Bourgeoisie (1972) - títulos excelentes vistos pela 1ª vez em 2009 (entre outros medianos).
An Affair to Remember (1957), de Leo McCarey, um dos melhores melodramas do cinema.
City Girl - our daily bread (1930), belíssississimo filme de Murnau, obra-prima absoluta.
Love in the Afternoon (1957), genial comédia de Billy Wilder (e encantadora Audrey Hepburn).
Al Mummia (1969), um filme único (em mais do que um sentido) de Shabi Abd As-As-Salam.
Higanbana (1958), de Ozu.
People Will Talk (1951) e
The Ghost and Mrs Muir (1947), de Mankiewicz. 'Obras-mestras' de John Huston (muito para redescobrir) -
Under the Volcano (1984),
The Man who would be King (1975),
Beat the Devil (1954) e
Fat City (1972).
Bitter Victory (1957), o deserto em tempo de guerra por Nicholas Ray. Autobiografia, infância tortuosa de Bill Douglas em
My Childhood (1972). Maravilhoso fenomenal,
El Espiritu de la Colmena (1973), de Victor Erice.
Honkytonk Man (1982), lição de humanidade e depuração no cinema, por
Clint Eastwood (um dos últimos sobrevivente agora que Rohmer partiu).[ainda bem que não houve quem me obrigasse a ser demasiado selectivo - são os filmes que mais amei, mais me estimularam, desafiaram, surpreenderam: que me deixaram uma
marca]
10 concertos:
Andrew Bird no Pigalle (27 d'Abril);
The World Saxophone Quartet Featuring Kidd Jordan (e James Carter!) na Salle des fetes de Montreuil (30 de Março) - uma parte da história recente do jazz em palco;
Deerhunter no Nouveau Casino (30 de Maio);
Maria Scheneider e a Brussels Jazz Orchestra no Parc Floral de Paris (6 de Maio); música experimental e improvisada, com raízes obscuras no jazz,
Nuno Rebelo e Dj Olive, na Culturgest (18 Janeiro), dentro do imperdível ciclo "
Isto é Jazz?" da responsabilidade de Pedro Costa (da Trem Azul/ Clean Feed). Os super-indie
Deerhoof, que há quase 15 anos fazem do rock alternativo mais excitante que por aí anda, tive sorte de ver no Villette Sonique (31 de Maio), pois ainda estou para ver o dia em que vêm a Portugal.
Evan Parker Quartet (com o muito talentoso Peter Evans), na Casa da Música (12 Setembro).
António Pinho Vargas a solo (31 Outubro) e
Gonzales (3 Novembro), na Culturgest - bem como o mítico concerto dos
Musica Elettronica Viva (também no ciclo "Isto é Jazz?", a 2 de Dezembro) - música viva, mutante, improvisada. Quando se trata de ouvir ao vivo (e nunca 'ver'), o jazz e exercícios de improviso têm vindo a ganhar espaço nas minhas deslocações a concertos, perdendo os festivais e bandas pop-rock, no geral mais entediantes e irrelevantes ao vivo (salvo algumas excepções).
[Grande ausência:
Jazz em Agosto, na Gulbenkian - é sempre numa data complicada]
Nota final: a nível pessoal e emocional, como se pode ver pelo anárquico e diletante balanço cinematográfico (e mais qualquer coisa), 2009 deixou a sensação de ser um ano de merda, cinzento, com muito
blue, marcado pela ausência e fracasso pessoal (e que parece prolongar-se por 2010 afora)