notas culturais, fragmentos do exílio - venturabravo [at] gmail [dot] com

7.4.11

a humanidade do sub-homem


Heiner Muller

"HITLER — Minhas senhoras. Agradeço a todas o trabalho que efectuaram na fidelidade, que seria a vida sem a fidelidade da mulher, sem falar da morte, ao meu serviço pela Alemanha que naufraga comigo. Como ela merece, tenho de dizê-lo, traição e cobardia por todo o lado e em todas as frentes. (Tiros de canhão. Detonações.) Estão a ouvir o triunfo do sub-homem cuja dominação está a começar. O sub-homem revelou-se ser o mais forte. O homem pode morrer à vontade. Sou, como sabem, o super-homem. Fiz o que pude para exterminar a humanidade que afoga o planeta. Outros virão depois de mim e continuarão o meu trabalho. Vou abandonar este mundo, porque se tornou pequeno de mais para mim, na companhia de Eva, a menina Braun com quem me casei há uma hora, aqui está a certidão, assinada pelo senhor Richard Wagner, façam favor de verificar a sua assinatura, para que nem o céu nem o inferno nos possam separar, pois as suas mãos estão puras e as minhas mãos cheias de sangue como cheias de sangue estão as mãos de todos os grandes homens da história, Alexandre, César, Frederico o Grande, Napoleão (Em voz baixa.) Stáline. O sangue, nas dimensões da história, é um carburante melhor do que a gasolina, conduz à eternidade, e a fidelidade é a medula da honra. Vou voltar para junto do homem, eu sou filho dos mortos. Mandei fuzilar o meu astrólogo, o senhor Frederico Nietzsche, para que ele me precedesse no reino dos mortos, que é a única realidade e de que fui o governador da terra. Os meus netos compreender-me-ão. O meu programa viverá: contra o paleio mentiroso dos padres AMEM OS VOSSOS INIMIGOS o honesto mandamento do meu catecismo alemão ANIQUILEM-NOS SEMPRE QUE OS ENCONTRAREM. Contra o mentir a si próprio do comunismo TODOS OU NINGUÉM esta simples e popular verdade NÃO HÁ QUE CHEGUE PARA TODOS. Escolhi a Europa para minha fogueira. A sua chama libertar-me-á dos meus deveres de homem de Estado. Morro como pessoa privada. (Pausa.) Mas o fumo das cidades em chamas transportará a minha fama à volta da terra, e as cinzas dos crematórios que escurecem o céu serão o meu monumento levado pelo vento até às estrelas depois de mim. Porque eterna é a fama dos feitos do morto, como já diz Edda, o livro sagrado, a Bíblia do norte. Viva o pastor alemão. (Abate a cadela.)

AS SENHORAS — Heil Hitler.

(Hitler sai. Dois tiros. Dança das mulheres, em fundo a capital em chamas, sobre a música do CREPÚSCULO DOS DEUSES de Wagner.)"


Heiner Muller, Germânia 3, Os espectros do morto-homem, tradução de Eduarda Dionísio e Maria Adélia Silva Melo, Lisboa: Cotovia, 1997, pp.27-29

6.4.11

ethics

"As pessoas que me conheciam estavam mortas. As mulheres que comi não sabiam o meu nome nem o que eu fazia. A única que sabia era a Belinha, a grã-fina que gostava de bandido, mas eu a matei."

Rubem Fonseca, O Seminarista (2009), Lisboa: Sextante Editora, 2010, p.25.

5.4.11

"'Como foi?', ela perguntou, com a voz embargada pela emoção.
'Ele se afogou.'
'Mas o meu pai nada muito bem.'
'Foi jogado desmaiado em alto-mar.'
'Fala a verdade, por favor.'
'Deram um tiro na cabeça dele e jogaram no mar. Ele não deve ter sofrido.'
'E o corpo dele? Para lhe darmos uma sepultura digna...'
'O túmulo dele é o mar... Como se ele fosse um marinheiro...' Calei-me com o receio de dizer mais tolices."

Rubem Fonseca, O Seminarista (2009), Lisboa: Sextante Editora, 2010, p.78.

ser realmente

"E quando estamos a representar tornamo-nos naquilo que realmente somos."

Ana Teresa Pereira, Inverness, Lisboa: Relógio D'Água, 2010.
@ ventura bravo [venturabravo@gmail.com]


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