notas culturais, fragmentos do exílio - venturabravo [at] gmail [dot] com

19.12.09

exposições (2): cinema acidental

(fotografia de Jorge Molder)

Imperdíveis (e enigmáticas), na Gulbenkian, as duas exposições temporárias e gratuitas(!)

No edifício sede, A Interpretação dos Sonhos, belíssima exposição de fotografia de JORGE MOLDER (até 27 de Dezembro de 2009) - em que muitas das provas das séries parecem arrancadas de filmes, frames de um 'film noir'. Referindo-se a uma das séries expostas, João Bénard da Costa escreveu: "Nada mais longe do cinema do que a fotografia. Mas estas fotografias são o cinema".

Uma mostra do cinema experimental (eles chamam video) de JESPER JUST no Centro de Arte Moderna (até 17 de Janeiro) - várias curtas-metragens intrigantes, líricas, com leve humor - (voltar) a maravilhar-se com um cinema de gestos, de danças (e interiores, como no Interiors, de W. Allen - porque há, por vezes, algo que discorre também de Bergman. Será?) - a música omnipresente com um pequeno (e hipnotizante) toque de surreal.

16.12.09

danças futuras

Serão cada vez mais difíceis de alcançar as austeras condições auspiciosas da intimidade do silêncio, bem como da impopularidade, das quais tantas vezes dependem o pensamento e a criação original. A democracia desconfia da solidão.
(...)
Compreender a música é confrontarmo-nos com os limites surpreendentemente estreitos da linguagem. Só a dança pode explicitar a música.

George Steiner
(Os livros que não escrevi, 2009, Gradiva)

8.12.09

Canavilhas ao ataque (Cinemateca)

Mas que azar. Já se sabia que Gabriela Canavilhas era uma escolha verborreica e populista (diga-se vazia), mas não se esperava isto. Isto. Independentemente das qualidades da senhora Maria João Seixas difícil ver (mesmo à lupa) o que poderá trazer para a Cinemateca Portuguesa. Para além da falta de afinidade com o cinema, talvez se exigisse alguém mais jovem para dinamizar a Cinemateca (fazê-la renascer), impor novas lógicas, consolidar boas práticas. Se não tinham ideias tivessem mantido o director interino, Pedro Mexia, até as terem. Seixas será apenas uma cara/ máscara complicadora: vê-se-la a tudo questionar e pouco produzir... E se queriam uma senhora (pois também foi essa a lógica de Sócrates para escolher uña Ministra da desCultura) tivessem escolhido outra, de certeza que as haverá outras (de altíssima qualidade). Ter sido casada com um realizador e participado em alguns filmes não é critério para nada (quantos não foram os ilustres portugueses a fazer o mesmo).
Que vergonha assistir a movimentações destas numa instituição como a Cinemateca. Será que a senhora Canavilhas ttem uma ideia que seja de cinema, do que é a Cinemateca? Dou o benefício da dúvida à senhora Seixas (não entregando o cartão de Amigo, esperando os resultados lá para Abril e seguintes), espere que tenha uma estadia curta e agradável, mas o cinema não é a sua arte. Era necessário alguém que para além de conhecer o cinema com um certo à-vontade, o pensasse também - com profundidade.

4.12.09

sem dúvida

... que assim é (Paris). Excepto a beleza da cidade (a das mulheres, ao olhar menos deslumbrado - aquelas demasiadas cabeleiras louras, roupas negras e elegantes, todas com o mesmo corte, parecerão clones, umas a seguir às outras, inacessíveis, frias, irrelevantes[?], inesquecíveis), pouco visível, abafada pelo excesso de pessoas, o artificialismo da arquitectura, tudo igual, tudo indiferente - enjoa. Fora os museus, algumas estátuas, um ou outro amigo (estrangeiros), é uma cidade sem personalidade onde gosto de voltar bem acompanhado, servindo de cicerone da banalidade ou deixando-me levar por um feeling outro (d'outro) - tudo menos deixar-se por lá estar (a não ser nos cinemas, malgré le prix).

let's get lost



Começa hoje (6ª feira) um novo ciclo (a acompanhar) na Cinemateca, "Cinema e Jazz". Inicia-se com o filme Let's get Lost (1988, de Bruce Weber), às 21h30, sobre o grande trompetista (e cantor) Chet Baker, um gajo cool.
Ainda este mês haverá lugar para filmes de Otto Preminger, Cassavetes, Fernando Lopes, Louis Malle, entre outros (no mesmo ciclo musical).

invisível

Há um novo livro de Paul Auster, Invisible. Dizem (vozes) que é o seu melhor neste milénio. Ficamos à espera - talvez mais dois dias (o fim de semana pelo meio) - que o correio o deixe aqui perto.

Granta Paul Auster Interview from Granta magazine on Vimeo. (via Ciberescritas)

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Ah!, e a respeito de
The Humbling (2009), de Roth, que tinha ficado em suspenso. Plim!, foi uma desilusão. Apesar de voltar a tratar do envelhecimento, etc, etc, está a muito longe, muito mesmo, da sensibilidade e excelência de Everyman (2006). A verdade é que foi o livro mais fraco de Philip Roth que li (até hoje). O arranque de The Humbling, quando fala de e sobre o teatro, acting, and so on, é penoso, fraco e (temo dizê-lo) desinteressante (=banal). E daí para a frente não melhora muito, no curto romance. Lê-se depressa. Espera-se que Nemesis seja outra história.

tem chovido

Mas hoje fará sol. Domingo trovejará. Segunda será de chuva novamente. E por aí fora.

(ganhei, penso, mais alguns dias. uff, posso voltar a descontrair-me)

20.11.09

PT Anderson

Boogie Nights (1997), de PT Anderson, foi uma suave desilusão [na Cinemateca, dia 19 - 21h30].
Balançando, chego à conclusão de que o que mais gostei de Anderson foi Punch-Drunk Love (2002), que mesmo não sendo o seu filme mais forte (será a leveza?), é certamente o mais simples e coeso (não se dispersa, ao contrário dos outros exercícios do realizador ['exercícios' parecem, olhando a sua 'flamboyant' filmografia]) e isso joga a seu favor (com uma maravilhosa banda-sonora de Jon Brion).
Já o último (There will be blood) foi um filme muito inconsistente e severamente sobrevalorizado.
(Magnólia é memória demasiado vaga...)
PTA vai-se deixando descair na permissiva escala do prazer. Fica-se à espera do próximo filme, para confirmar o desanimo ou reerguer lentamente o olhar.



Boogie Nights (1997)

19.11.09

números, apenas

10 dias depois reparo que passaram 10 dias. Mais 10 hão-de passar.
E outros a seguir.

Então virá.

9.11.09

melancholic post-hippies: free-love is dead, but...

http://pitchfork.com/tv/#/musicvideo/3675-girls-hellhole-ratrace-true-panther-sounds
Girls: 'Hellhole Ratrace' (do album Album [2009])


http://pitchfork.com/tv/#/musicvideo/3749-girls-lust-for-life-true-panther-sounds
Girls: 'Lust For Life'
(idem)

Olivia Thirlby (uff)


a face with personality a face to fall in... mesmerized

Olivia Thirlby.
Porque há-de lembrar-me Joan Didion?

Pode ser vista, por breves momentos, no primeiro episódio (e em outras ocasiões) de Bored to Death (2009), nova série televisiva da HBO, com Jason Schwartzman (gang Wes Anderson) posição de protagonista (como escritor alcoólico e amigo d'erva) Lembram-se dela (verborreica, transpirando uma sexualidade gritante) no insípido June? - era a melhor amiga da protagonista, cabelo loiro... não?

O sorriso é fenomenal, tem que ver com os lábio (a boca), as linhas do rosto, os olhos, sim, os olhos, o arzinho adolescente, a proibição. É um rosto inteligente, irresistível (ainda mais ao sorrir).

E porque também falamos de séries televisivas com escritores, a 3ª temporada de Californication já começou nos EUA e o 7º episódio vai para o ar hoje (procurem na 'teia' - encontrarão).

8.11.09

'It could well be that American novelists never again achieve the same level of mythology as Roth'

Do último Roth traduzido para português (Indignation, 2008), se tem dito maravilhas (em Portugal). É bom, certo, mas exagera-se (sobejamente conhecidos são os fanatismos literários [em norma, por escribas norte-americanos] dos bloguistas portugueses - prefiro saborear e pesar, com tempo), pois o anterior Everyman (2006) está num patamar superior - profundo e comovente, é uma grande obra.
Entretanto, já saiu outro Roth, The Humbling, o trigésimo - fica uma crítica negativa da 'novela', porque prefiro-as às positivas, como pequenas provocações (desafios) à leitura (que se quer virgem - sem dúvida, uma utopia). Quem como eu não quiser esperar (deverá chegar-me a casa amanhã) por uma talvez (não) desgraçada tradução (e fica mais barato, caso não nos furtem os códigos).
E embalado como está, diz que já acabou outro romance, a publicar em 2010, Nemesis, (e tem título!), o que prefaz 3 obras em tantos anos.

[nota: há outras fontes, há também recensões positivas, mas gosto de repetir-me, os links são todos do Guardian Books Blog, o título idem]

política(s)

(...) se uma mulher for notoriamente femininista chamamos-lhe 'perseverante', se for autoritária escolhemos 'empreendedora' e se for parva tratamo-la por 'mimada'. Quanto às questões físicas — porque há sempre questões físicas — se estiver um pouco magra dizemos 'elegante' mas demasiado magra dizemos 'muito esguia'. Se estiver um pouco gorda será igualmente 'elegante' mas para demasiado gorda a palavra adequada será 'voluptuosa'. Se estiver no ponto, sem dúvida que é 'muito elegante' o comentário correcto e depois disso tentamos não ser muito indiscretos.

4.11.09

Gonzales, the joy of the 'grudge'



Ficamos com um exemplo [quem tiver o hábito de ouvir o canal Mezzo já deve ter tropeçado neste concerto] da vertente mais introspectiva, daquilo que foi o excepcional concerto (onde o deleite [também cómico] proveio da escuta da música, ora erudita, ora popular, e do próprio compositor/intérprete ora composto ora possuído pelo ritmo) de Gonzales na Culturgest (3 de Novembro): invulgar performer, de recursos múltiplos (rapper/MC, produtor, artista pop, pianista clássico...), e figura irresistível de semblante mafioso; entreteve-nos, presenteando-nos com peças melódicas (e físicas) variadas.
Foi uma semana algo invulgar, a nível de qualidade performativa nas teclas, que sábado já tivera António Pinho Vargas (sublime!) no mesmo piano.


27.10.09

under the volcano



Belíssimo filme de John Huston (1984), adaptação de Under the Volcano (1947), de Malcolm Lowry (recensão crítica [link] do livro por Raquel Costa).

O curioso histórico das intenções de adaptação do célebre romance de Lowry (decerto sintomático da natureza da obra) ao cinema:
O primeiro projecto de argumento teria partido do próprio Lowry (...). Mais tarde foi a vez de um actor, Zachary Scott, de se entusiasmar com a personagem do cônsul Firmin, a ponto de comprar os direitos para a sua adaptação. Estava-se em 1962, mas a morte de Scott em 1965 impediu a sua concretização. os direitos foram então vendidos aos irmãos Hakim que pensaram em Luis Buñuel para dirigir o filme. "Como se pode filmar o que se passa no cérebro de um homem?" era a pergunta que Buñuel colocava quando o interrogaram sobre esse projecto que não concretizaria. De Buñuel passaria para Losey, Ken Russell e Skolimowski que também andaram envolvidos nessas tentativas de adaptação, a que se junram, para o argumento, nomes como Gabriel Garcia marquez e Carlos Fuentes, num totald e cerca de meia centena de projectos abortados. Finalmente os direitos foram comprados por Wieland Schulz-Keil que acabou por entregar a direcção a John Huston, com um argumento que o realizador reveria acompanhado pelo seu autor creditado, o jovem (28 anos) Guy Gallo, autor duma tese universitária sobre Lowry.

(Manuel Cintra Ferreira, in Folhas da Cinemateca, Under the Volcano [1984])
Esta 'odisseia' só poderá despertar interesse tanto pela presente "versão" de Huston como pelo livro. E é justamente Huston, que não era nenhum novato nestas andanças literárias, pois conseguira adaptar Moby Dick (1956 [Melville, 1851]), e de forma fantástica (em múltiplos sentidos) The man who would be king (1975), conto de Kipling (1888), entre outros.

Passou dia 26 (21:30) na Cinemateca. Volta a passar 5ª feira, dia 29, às 19:30. É imperdível, com desempenho extraordinário dos actores (Albert Finney e Jacqueline Bisset [fotograma] maravilhosa, evocativa...), e que deixa uma marca pelo seu desfiar-se e final abrupto: e desse final (trágico) não acreditamos bem, parece uma fantasia, não queremos acreditar: pensava-se que o filme duraria ainda uma hora mais, ficamos em suspenso (com vontade de descobrir o livro - as origens?, as imensas divergências que se presentem entre o cinema e a literatura).

22.10.09

desgraça

Bem-vindo ao vazio cultural, preenchido pelo burburinho constante das banalidades: Gabriela Canavilhas (foto, e direito a link já é muito conceder) será a nova ministra da Cultura do Governo de José Sócrates.

Lembro a sua inócua intervenção no programa Câmara Clara (nesse programa, dedicado aos Açores, vale a pena ouvir António Machado Pires, voz de profundo saber e humildade sobre a cultura e insularidade), em Julho último, onde o discurso delirante é de total exaltação do improvável, e de quem valoriza acima de tudo a superficialidade. Ah, e que Açores são aqueles que saem da verborreica boca de Gabriela? Não os conheço, e para nós não existem (ainda).
Tem um belo currículo. Oxalá seja eu o incompetente.

sexy Dexter (II)


Molly on Dexter. (I)

20.10.09

Futuro.
Fumando um charuto às 3 da manhã (encontrado numa espécie de tubo de ensaio "casamento de Pedro e Inês" - não me lembro de lá ter estado. Quantos anos?), em dia de chuva, na varanda, com um copo de moscatel na mão, vestido da cintura para cima, um tango bajo de Daniel Melingo atravessando a janela, e penso nas conquistas do passado, e no presente demasiado plano, assim como estou (inteiro?) e duvidando da razão.
O futuro é agora.
Temo pela minha sanidade. Talvez lá para Agosto tudo melhore.


[estava aqui ao lado, aberto ao acaso, serviu a ocasião]
E esforçava-me por compreender o que ouvia: que o livre arbítrio da vontade é a causa de praticarmos o mal e o teu recto juízo a de o sofrermos, mas não conseguia compreender essa causa com clareza. E assim, tentando arrancar do abismo o olhar do meu espírito, afundava-me de novo, e muitas vezes tentava e me afundava uma e outra vez. Na verdade, elevava-me para a tua luz tanto o facto de saber que tinha uma vontade como o de saber que vivia. Por isso, quando queria ou não queria alguma coisa, tinha absoluta certeza de que quem queria ou não queria não era outro senão eu. E via, cada vez mais, que aí estava a causa do meu pecado. E aquilo que fazia contra vontade via que era mais padecer do que fazer, e julgava que isso não era culpa, mas castigo, pelo qual, como eu logo confessava, considerando-te justo, era castigado não injustamente.
- Confissões, Santo Agostinho, ed. IN-CM

18.10.09

cinema norte-americano: tendências, 1969

Estreiam em 2009 dois filmes de animação por dois dos mais interessantes (e muito diferentes, para nosso deleite) novos realizadores americanos: The Fantastic Mr. Fox, de Wes Anderson (trailer lá em baixo, ainda sem data de estreia para Portugal), e o já referido Where the wild things are (de Spike Jonze) - neste será mais a fantasia/ fantástico.

Por outro lado continuam em alta (e a tendência será para se manter e até aumentar) as adaptações cinematográficas de banda-desenhada, como é o caso de Surrogates (trailer aqui, evocando temática e visualmente I, Robot e Minority Report, com estreia em Portugal a 29 de Outubro), do realizador do último Terminator (que confesso não ter visto, apesar de ser - será exagerada a palavra, nunca fui dado a paixões que não carnais, e talvez me contradiga - do irrepreensível Christian Bale; muitos filmes amenos, mas nenhuma actuação indiferente), Jonathan Mostow.

E um raio que me atingiu no processo de escrever banalidades: numerologia.
1969 - é evidente, mesmo ao olhar-se de esguelha, que este é um ano de colheitas especiais para a saúde do cinema norte-americano. Houve qualquer coisa nos astros, ou a combinação dos números, que nos deu 4 essenciais realizadores (da nova cinematografia n.-a.): os referidos Spike Jonze e Wes Anderson, e ainda James Gray e Darren Aronofsky! (ambos buscando um pouco do clássico em seus derradeiros exercícios, de estilo) uff., nem eu esperava tanta intensidade. E não nos esqueçamos do (para se pôr ao lado do C. Bale, este infelizmente nascido em 1974 no Reino Unido - mas em entrevistas quando fala com o seu sotaque, maravilha) Edward Norton, também de 1969. Todos homens, mulheres também as haverá (mas [perpetuando preconceitos] mais no plano do sensível, emocionais: Julie Delpy, Cate Blanchet, Zeta-Jones ou Zellweger - escolher uma das duas) abarco só a superfície, o conteúdo (ou núcleo) ficará sempre para os outros (porque quando lá chego, sem nunca chegar, já estou noutro assunto).

17.10.09

17 de Outubro

[...] Resolvo mandar queimar os papéis, ainda que dê grande mágoa ao José, que imaginou haver achado recordações grandes e saudades. Poderia dizer-lhe que a gente traz na cabeça outros papéis velhos que não ardem nunca nem se perdem por malas antigas; não me entenderia.

(Memorial de Aires, 1908, Machado de Assis)

16.10.09

where the wild things are



Novo filme de Spike Jonze [entrevista na Vanity Fair]. Estreia prevista a 21 de Janeiro, em Portugal.

o meu lado Joan Didion

O Proust Questionnaire da revista Vanity Fair (através do Bibliotecário de Babel). Falando de afinidades, o questionário deu-me como semi-alter-ego Joan Didion, com ela partilho 92,7% de algo (será feeling?, ou são as crianças, Kafka e a solidão no amor?, ou as leituras dela que fiz nos últimos 6 meses, ou talvez seja o ADN); em segundo lugar o Hugh Hefner com 75% - não poderia haver duas pessoas mais estranhas entre si, são 17 e qualquer coisa graus de separação; no entanto, confesso que ambas coabitam, não sem conflito, em mim (na proporção indicada).

Fica um apontar para o maravilhoso The White Album (1979), livro de Joan Didion. Raramente a escrita jornalística ou de crónicas, sempre pessoal, foi tão inspiradora - e a prosa, a prosa!, belíssima.

E sobre a importância do acaso (e dos astros) - começarei a ler, hoje mesmo, Play as it lays (1970). California, California, Oh, California... lá-lá, lá!

dupla melancolia


Para a Joana, que um dia me perdoe e que (utopico e nostalgicamente) possamos passar tardes inteiras a ouvir vinis indie dos anos 90 - construir um passado de afectos mútuos que não existiu.



11.10.09

Truffaut fazendo "trinta por uma linha" (les 400 coups)

Todos os filmes de Truffaut contêm um ou mais momentos (diferentes consoante a sensibilidade do espectador) que deixam uma recordação precisa, marcante, inapagável, mesmo ao fim de vinte ou vinte e cinco anos (...).
Essa presença do clímax é, hoje em dia, uma característica cada vez mais rara (exceptuando nos cómicos, e Truffaut provoca o riso). É difícil encontrá-la em Duras, Rocha, Rivette, Jancso, Fassbinder, Oliveira, Straub [e Huillet], Bertolucci, Satyajit Ray. Nestes, é uma impressão geral que sobressai, o todo e não a parte. Mais uma característica que une Truffaut aos antigos e o afasta dos modernos. Hoje em dia os filmes dos quais nos lembramos de uma sequência, são obras falhadas ou de fraca envergadura. Os filmes interessantes tendem a ser de difícil apreensão, deslizam - sob o esforço de análse - como enguia na mão.

Pode ser uma frase de diálogo ou uma curta sucessão de palavras, a criança que invoca a morte imaginária da sua mãe para justificar um atraso nas aulas (LES QUATRE CENTS COUPS).

"A balança e a ligação", de Luc Moullet (Cahiers du Cinéma, nº 83, Julho-Agosto de 1988)


Les 400 Coups (1959, François Truffaut) - passou dia 10 Out. (15h30) na Cinemateca

(...ou) O momento mais marcante de todo o filme é a sequência final, o longo travelling (ainda não sabemos) em direcção ao mar (e a ele perpendicular). Vemos o areal, Doinel (Jean-Pierre Léaud) corre até ao Atlântico (vislumbra-o e sente-o pela primeira vez - o mar, o mar, o mar), molha os pés, volta-se e encara a câmara, enfrenta-nos (espectadores, passivos) com um olhar ferido. São esses derradeiros planos, os essenciais de todo o filme, o encontro primeiro com o mar: o olhar duro (e acossado) que Antoine D. nos deita, o "FIN" que se imprime sobre e no seu rosto, sintomático da sua situação, o final da já de si debilitada infância (que não voltará?).


tomar um copo

Quando J. chegou eu disse gracejando (num esgar semi-machista), nunca esperei tanto por um homem.
Somos mais do que um, como podes ver. Os outros aproximaram-se.
Pensei compreender, mas tive a certeza que tudo estava por explicar. O que dizer daqueles ombros largos, cabelos curtos ou rapados, pedaços de suásticas insinuando-se por debaixo das t-shirts.
Olharam-me de alto a baixo, a mochila às costas, os chinelos pretos.
Cerveja (que bebo sem saber porquê).
No final da noite, um disse, és estranho mas porreiro.
Outro considerava votar no PNR, ri-me e com o peso do seu olhar calei-me; nunca saberei se estava a ser irónico: é difícil destrinçar as nuances naquelas faces inexpressivas (moldadas pelo álcool, ódios, jogos de futebol e agressividade).
Bazei, disse adeus ao amigo (agora desconhecido?), os ex-neonazis semi-reabilitados (já não somos putos como dantes, disseram) observaram-me à medida que desaparecia na rua mal iluminada e fiquei a pensar na porra da noite. Merda!, foda-se, repeti compassadamente. Os nossos amigos têm direito a ter os amigos que têm, de ter um passado de onde fogem, sem conseguir apagá-lo, e onde voltam (desgraçada nostalgia), culposos, em momentos de ébria irracionalidade.
Não se esquecer de onde se vem já é um princípio. O que pensar de J.? Ainda não li o seu longo ensaio, falta-me rever Mulholand Dr.

[nota: e porque também... "diário das amizades" de Pedro Lomba]

8.10.09

"A prova"

(...) Era um começo, mas também era o fim. Porque Mao saltava da caixa número um para o chão, terminada a tarefa, e corria para a saída, e Lenine estava com ela, e as duas juntas atiravam-se sobre o vidro do ângulo que dava para a rua... com a força impune do amor... O vidro rebentou e o buraco levou-as... duas figuras escuras sem limites, atraídas pela imensidão do exterior... e no preciso momento em que saíam, uma terceira sombra se lhes juntou... três astros fugindo na grande roda da noite... as três marias que todas as crianças do hemisfério sul olham enfeitiçadas, sem compreender... e perderam-se nas ruas de Flores.


Excerto de "A prova" (trad. José Agostinho Baptista), do escritor argentino César Aira (n. 1949)

knife


http://pitchfork.com/tv/#/musicvideo/896-grizzly-bear-knife-warp

Música do penúltimo álbum dos Grizzly Bear (Yellow House, 2006), uma das bandas pop mais interessantes da actualidade. O último disco, Veckatimest, é um dos melhores de 2009.

contaminações (District 9)


Em District 9 (2009, filme de Neil Blomkamp) há um diálogo com a história recente da cidade que o acolhe, Joanesburgo. Com a chegada dos extra-terrestres, o fantasma do Apertheid é reactivado e torna-se regra. Muros são erguidos (ghetto) para isolar os «não-humanos», são desprezados e odiados pela população nativa de Joanesburgo. Filme de ficção científica onde os temas e citações sucedem-se: a metamorfose (por contaminação – Spider-Man ou a Mosca) do protagonista, Wikus (lembramos os sofrimentos de Gregory Samsa, só, na sua tragédia familiar); alienígenas como metáfora dos imensos refugiados de guerra em África (Darfur?), fechados em campos, sem sítio para onde ir (a nave suspensa sobre a cidade não funciona); e o tema das poderosas corporações de questionáveis e desumanas intenções, a MNU (que emprega mercenários, como os que trabalharam no Iraque...).

Apesar de todas essas premissas o filme não chega a adensar-se como gostaríamos. As entrevistas são algo penosas e dificilmente acrescentam algo à acção; a metamorfose de Wilkus não é explorada até ao fim (fica suspensa), talvez não tenha havido coragem para ir mais longe, de por exemplo mostrar o processo todo de mutação e integração na cultura e comunidade alienígena. Ficam as interessantes hipóteses levantadas, as gráficas cenas de guerra (saidas dos videojogos), e principalmente as contaminações: metamorfose, Apertheid, grafismo dos videojogos (dos FPS [first person shooting], patente no tratamento da imagem e ritmo da contextualização inicial: a chegada dos extra-terrestres 20 anos antes; e nas intensas batalhas de toda a parte final do filme), refugiados de guerra... De facto, em alguns momentos, temos a ideia de que estamos perante a virtualidade do videojogo (pela sua "atracção"/ espectacularidade e narrativa poder-se-ia dizer, aberta, bem como os aspectos anteriormente referidos) e não um filme de ficção. Para onde caminhamos, uma fusão de meios, como a fusão do humano metamorfoseado com o robô (transformer?) de guerra?

7.10.09

das vantagens do catolicismo



Marie-Christine Barrault e Jean-Louis Trintignant em Ma muit chez maud (1969, Rohmer)

6.10.09

last hero alive


















o que é um herói?













[fotograma do algo sofrível filme de Herzog, Rescue Dawn (2006)]

westerns

Já não vivemos numa época de cowboys ou de heróis. Artificialismos, nenhuma autenticidade. Já lá vão os tempos de crueldade. Esta realidade é ainda mais cruel.

Cinema contaminando Lisboa (DocLx, FRcinéma, Cinemateca)


(Para minha aflição) aproximam-se dois festivais de cinema.

DocLisboa, a partir do dia 15. Destaque imediato para a homenagem a Jonas Mekas (os seu documentários são todos para ver), e o último filme (La Danse - alguma batota, invertendo a ordem natural de recepção, um video de Wiseman a falar sobre o filme; é sempre enriquecedor ouvi-lo) do maior documentarista vivo, Frederick Wiseman, que o ano passado podemos ouvir (diversas vezes) e visionar no DocLisboa. Ainda dois filmes turcos na competição internacional (imoral tapegamento meu - descubra-os). Este blogue muito dificilmente terá oportunidade de deixar impressões sobre o DocLisboa, mas por lá andará, nos intervalos do dia-a-dia (boas razões para faltar a compromissos).
Nota: como falamos de documentários, por coincidência (ou não), a Cinemateca exibe, dia 16 (às 22h), o grande doc. A China (de 1972), de Antonioni.

A Festa do Cinema Francês, já esta semana (prolongando-se até Novembro - com sessões na cinemateca), com, os mais óbvios, o novo filme de Agnés Jaoui, o novo Pedro Costa (Ne Change Rien, documentário que este blogue espreitou na reprise da Quinzena dos Realizadores, Forum des Images - espaço futurista e com excelentes condições para a exploração e conhecimento do cinema - e recomenda), homenagem a Agnes Varda e retrospectiva de Jeanne Balibar (ambas na Cinemateca) - com ela o sublime Jacques Rivette, de 2007, Ne Touchez pas la hache [adaptação de Balzac], com interpretações extraordinárias de Balibar e do tragicamnete falecido Guillaume Depardieu - como trágicos são os destinos de ambas as personagens (filme que já circulou pela blogosfera, deixando duas devotas impressões, aqui, da Cristina [blogue Dias Felizes] e aqui, do F. Frazão [Fábrica Sombria]).


... E por último, na Cinemateca (eterno retorno) a retrospectiva integral a John Huston, este mês com a sua última e interessantíssima fase (Fat City, Phobia, Wise Blood, bem como a anterior adaptação da novela de Carson McCullers, sulista, Reflexions in a Golden Eye).
Aos sábados, obras-primas lançadas ao público de forma criminosa (mais do que se pode suportar) por António Rodrigues (programador do ciclo "História Permanente do Cinema)":
The Wind (1928, Sjostrom, que tem passado com frequência); Le Genou de Claire (1970, Rohmer - a filosofia do amor, um dos seis contos morais: explosão erótica naquele afagar do joelho adolescente inconsolável); Trouble in Paradise (1931, Lubitsch, um dos meus mestres, lá em cima, profanando o paraíso juntamente com Buñuel); Le Roman d'un Tricheur (1936, para se ver os malabarismos de Guitry); Renoir, Visconti, Cassavettes... por favor arranje a programação (é um desdobrável muito simpático).
Outro ciclo "Filmes de João Bénard" (repegando em muitos filmes do comovente "como o cinema era belo", programado há três[?] anos por Bénard na Gulbenkian), continua: How green was my valley (de John Ford); Mizoguchi; Dreyer.
Muitos outros pontos de interesse haverá (ver o blogue do André Dias), já me alonguei em demasia. Refiro por último um exercício de comtemplação e 'purificação' na companhia do casal Straub e Huillet,
L'itinéraire de Jean Bricard (dia 15 Out às 21:30 - cinemateca).

5.10.09

Serge no seu mundo



Philippe Quesne / Vivarium Studio / L'Effet de Serge

O acontecimento cultural da semana. Philippe Quesne (pela mão do programador Francisco Frazão - nota 5) na Culturgest com duas peças, L'Effet de Serge (dias 5 e 6 Out.) e La Mélancolie des dragons (8 a 10).

L'Effet de Serge inicia-se com um astronauta a entrar em cena, explicando-nos o cenário. Astronauta em transição do anterior espectáculo para o que vamos presenciar (Serge). A simplicidade desarmante (quase infantil), deslumbramento, gargalhadas súbitas (em nós espectadores). Serge, protagonista algo autista, convida, ao domingo, alguns dos seus amigos para assistirem às suas performances de 1 a 3 minutos (sempre ligadas a faixas sonoras). É uma peça sobre teatro, com 4 momentos duma espécie de teatro no teatro incorporados na acção principal e que a fazem avançar: a visita dos amigos, que se tornam espectadores (de pequenas coreografias poéticas) dentro de cena - eles acabam sendo, à semelhança do protagonista no debut, astronautas aterrando indefesos em cena, na sala a-real de Serge. Única nota negativa (mas compreensiva) para a opção de traduzir ao vivo (para português), de forma sonora, as palavras 'vazias' (como se fosse um "modelo" de Robert Bresson) de Serge (ambientando-nos ao espaço), por ser desnecessário, por nos negar, por momentos a ilusão.

Ficamos, entusiasmados, à espera da segunda peça de Quesne, La Mélancolie des dragons - este fim de semana no mesmo sítio (à mesma hora).

Para quem não poder ir (amanhã) a Serge fica um pequeno video sobre a peça (e entrevista ao encenador, Quesne):




1.10.09

Texier



Esta noite o quinteto Strada de Henri Texier maravilhou(-me) (n)o auditório da Culturgest. Até ao momento (e juntamente com o Evan Parker/ Peter Evans, na Casa da Música) o concerto da reentré.

E já agora um momento Peter Evans (como os muitos que protagonizou na Casa da Música), destilando música essencial do seu trompete.

24.9.09

Barnet azul (ii)


U Samogo Sinyega Morya (1936, Boris Barnet)

Barnet azul (cinemateca)



Amanhã, feira (25), às 19h na Cinemateca, a obra-prima do realizador russo Boris Barnet, U Samogo Sinyega Morya (A Beira do Mar Azul/ By the Bluest of Seas), de 1936.

(Ensaio de Jonathan Rosenbaum sobre Boris Barnet.)

22.9.09

transparências impositivas

As senhoras de idade, nestes últimos dias de Verão, têm por hábito vestir transparências (primordialmente alvas). Sorriem, sentem-se confiantes, falam alto. Passeiam bamboleando-se volumosas. Aterrorizados, os jovens, deixam de passear inconscientemente o olhar - perdem oportunidades de deleite e prazer visual, de observar formas perfeitas - para salvaguardar a dignidade juvenil e a ilusão de que a beleza é eterna.

esta noite improvisa-se (concerto)


Hoje, às 22h, música "transversal" ao vivo no Teatro Maria Matos: Burnt Friedman (conhecido músico na área da electrónica) & Jaki Liebezeit (baterista do essencial agrupamento alemão, da passagem dos 60's para os 70's, Can), com o mais recente albúm da associação em duo, Secret Rhythms 3 (2008). A programação musical no Maria Matos é da autoria de Pedro Santos; destaco, desde já, e ainda no distante 25 de Outubo, o evento/ concertos Sonic Scope #9, a não perder para quem se interessa pelo imprevisto na música.
(no Last.fm.)

Xavier et l'orchestre invisible (II)


Ainda a respeito do espectáculo de Xavier Le Roy (onde reincidi no dia 19), constato, com algum espanto, que a repetição e hipotético conhecimento do conceito (único?) do espectáculo não lhe retira a graciosidade e frescura, nem tão pouco o encanto. Qunado Xavier se vira para nós dirigindo com gestos, e ainda mais com o hipnotizante (e carismático) olhar, que este nos começa a surpreender, atraindo-nos, moldando-nos, quase tirando de nós o som dos instrumentos (a certa altura julguei-me trompete).

19.9.09

Le Roy de l'orchestre



Performance Le Sacre du Printemps de Xavier Le Roy no Maria Matos. Hoje (sábado), dia 19 de Setembro, às 21:30, é a última oportunidade para ver esta "dança maestra" desafiadora e desarmante - estar em relação directa e íntima com o performer, ser um espectador participante da acção dramática (um teatro dentro do teatro, em que o público é actor a fazer de orquestra). Espectáculo notável, no seu papel de questionar da dança, da condução de orquestra, da arte, e laboratório (imprevisível) do público enquanto performer (semi-passivo).

Chamada de atenção para a programação de Mark Deputter (antigo programador do excelente Festival Alkantara), no Teatro Maria de Matos, que tem muitos pontos de interesse. Uma programação diferenciada, política (atenta ao estado do mundo) e com identidade própria, virada para a dança/teatro contemporâneo, bem como a música "viva" de carácter electrónico e experimental.

15.9.09

o meu bairro

No meu bairro os homens são prendados. Entre muitas qualidades, são alcoólicos, têm o habito de engravidar as mulheres em série (como na era industrial), batem nas mesmas, violam os filhos, não perdem um jogo do benfica, e cospem no chão à primeira oportunidade.

As crianças, com frequência, ouço-as dizer que encontraram na escola um primo que não conheciam.

uma dádiva de Erice


El Espiritu de la Colmena (1973), Victor Erice
[Projectado na Cinemateca no dia 14, 19h; pertence ao ciclo "Eram os anos 70", que continua: atençao a alguns dos filmes que se seguem no mesmo ciclo, por exemplo, Schroeter (dia 17 - 19h), Oshima (21 - 19h), ou Argento (23 - 19h).]

Duas crianças como dois ankos. Um filme mágico que parte do próprio cinema, da projecção (Frankenstein, 1931, de James Whale), e que vai para além dele, entra no fantástico (fantasmagórico) - transcende a película e paira sobre o real sem tocá-lo. (Pedaço fundamental da história do cinema.)

14.9.09

Um dia vou pegar em todas as minhas notas e de lá vou tirar 9 páginas de escrita decente. Então viverei plenamente.

9.9.09

you're a fool!











Idiotas, de Eimuntas Nekrosius

Porque o Porto não é só Red Bull ou FCP.

Idiotas, no Teatro Nacional São João (dias 11 e 12, às 20h), o épico de Dostoievski, encenado por Eimuntas Nekrosius (com a duração de 5 horas).
Evan Parker e Louis Sclavis, concerto duplo do melhor jazz europeu na Casa da Música (dia 12 às 22h).
Nos intervalos o jardim de Serralves é passatempo zen, e a exposição do artista plástico Bruno Pacheco na Culturgest Porto um estimulante depois do sono do manjar. E quem sabe não se dê um giro na rua Miguel Bombarda (chá e galerias).

Oriente-se para Norte.

09/09/09

número magnífico.

a minha igreja


Beat the Devil (1954), John Huston

Na Cinemateca sentou-se atrás de mim, penso, um fantasma alemão dos tempos de estudante. Ela estava deslocada.
Cinema evocando.
É bom estar de volta.

p.s.: Beat the Devil volta a passar dia 10 set. (5ª feira), às 22h, na Cinemateca.

5.9.09

in the aeroplane over the sea



Os 90's retornam.

(para Pablo)

where i was from

Com o retiro a acabar, regresso à civilização. Volver. Para trás três gatinhos que quase me conquistavam, tempo inconstante, basalto transpirando, novas valências e muito preguiçar. Agora poderia começar alguma coisa. Talvez ainda não. Comovo-me.

4.9.09

ele voltou

... quando já se começava a adivinhar saudade
http://www.a-leiseca.blogspot.com/
Um dia bom.

1.9.09

9 de Junho

Este mês é a primeira linha que escrevo aqui. Não tem sido falta de matéria, ao contrário; falta de tempo, também não; falta de disposição é possível. Agora volta.
(Memorial de Aires, 1908, Machado de Assis)

23.8.09

personalidades (1): JMJ

Talvez uma das poucas pessoas com um pensamento político (e da sociedade) integro, independente, sério, isento (com afinidades declaradas) e inteligente em Portugal (e das personalidades políticas mais odiadas. Temos dificuldade em reconhecer e, ainda mais, aceitar o mérito neste país). Aqui expresso a minha simpatia por José Miguel Júdice. É bom lembrar quem interessa - numa altura em que todas parecem iguais (i.e., indiferentes) - mesmo que não concordemos e venha assim do nada.
Nota: JMJ escreve às 6ªs no Público. E foi triste (pois o canal ficou mais pobre) ver "A Regra do Jogo" (título do deslumbrante filme de Jean Renoir) acabar - programa da SIC Notícias onde JMJ discutia a actualidade com António Barreto (e lá vai fogaça)
.

20.8.09

jornais (2): as mulheres no Afeganistão

Em dia de eleições no Afeganistão, uma reportagem (de há dois dias) de Ramón Lobo (jornalista em Cabul, com o interessante blogue En la boca del lobo) no El Pais, sobre as suas mulheres, vítimas de uma nova lei que escraviza (e tortura) as afegãs xiitas (de etnia hazara) à libido masculina. Hoje, no Público, uma notícia que aflora o mesmo assunto e as eleições.

19.8.09

misticismo (bélico) n'os vales


Música ("The Valleys") do segundo e melhor álbum da "girls band" Electrelane, The Power Out (2004).
Nota (para os incautos): a imagem não se altera, no entanto, tem vários pontos de interesse: por exemplo, pôr o som alto e desligar o ecrã.

18.8.09

... averdade (1): porque cá tudo chega mais tarde

António Lobo Antunes continua profícuo, com um novo romance em estado adiantado, Raquel dos Santos (título provisório), obra para ser prelada (sic) ainda em 2009.
Entretanto a editora (que não se quis identificar) deixa-nos algumas indicações sobre esta viragem estilística, "mais tropical", do eterno candidato a novel (sic): "É a história de um escritor e duma mulher exótica que está a fazer um doutoramento sobre esse mesmo escritor. Conhecem-se e logo se desencadeia um magnetismo selvagem e devastador entre os dois. Ele é sádico, ela é masoquista. Ele é grisalho, ela é jovem e fogosa. No final ela consegue acabar o doutoramento com mérito; do escritor não podemos dizer mais, para ver se as pessoas compram."

17.8.09

Num parque nudista poder-se urinar fazendo ioga.

(o calor que faz neste quarto. uff!)

16.8.09

La Grande Illusion (histórias no cinema)


Filme de Jean Renoir (1937).

Guerra à antiga é uma grande ilusão.
Três grandes actores (três personagens tipo): Jean Gabin, Pierre Fresnay e Eric von Stroheim (a fazer de "si mesmo"). Belíssimo realizador de Blind Husbands (1919; uma das melhores primeiras obras do cinema) e o épico Greed (1924, filme incontornável na história do cinema), Stroheim viu a sua carreira de metteur en scène ser interrompida por (ou pelo acaso de) Gloria Swanson , em Queen Kelly (1929), filme em que dirige a estrela do período surdo, que era também financiadora do filme e uma das poucas pessoas ainda dispostas a apostar no excêntrico realizador (mas a meio da rodagem desentenderam-se e o filme ficou incompleto. Os pormenores ficam para outro dia).

Com a mesma Swanson, Stroheim contracenará como seu mordomo (Max Von Mayerling), no inesquecível Sunset Boulevard, 1950, de Billy Wilder (realizador cómico [e genial] que dá continuidade há herança recebida do mestre absoluto, Ernst Lubitsch [To Be or Not to Be, 1942, talvez a obra-prima absoluta da comédia], de quem Wilder chegou a ser argumentista). Stroheim, Lubitsch e Wilder, três realizadores subversivos do humor (como todos os grandes da comédia), mas não exclusivamente.

Do humor Renoir é igualmente mestre, tanto com este Illusion, como com o seu filme maior La Règle do Jeu (1939), enormíssimo prazer cinematográfico (ou Le Carrosse d'Or, 1952, o teatro no cinema - filme que é todo ele uma peça). Em La Règle, talvez lembrando-se de Stroheim, Jean Renoir é realizador e actor.

Stroheim é Von Rauffenstein (em La Grande Illusion)

O cinema é feito de ligações, coincidências, reincidências. A memória idem.

(... pelo acumular de superlativos e de obras-primas do cinema peço desculpa, pois sei que assim de enxurrada apagam-se uns aos outros. Evocar, reviver, marcar, transformar, voltar a imaginar as imagens agora difusas.)
13 de Julho

Sete dias sem uma nota, um facto, uma reflexão; posso dizer oito dias, porque também hoje não tenho que apontar aqui. Escrevo isto só para não perder longamente o costume. Não é mau este costume de escrever o que se pensa e o que se vê, e dizer isso mesmo quando se não vê nem pensa nada.
(Memorial de Aires, 1908, Machado de Assis)

11.8.09

reflexos

Ontem à meia-noite houve fogo de artifício aqui ao pé. Quando dei por mim estava a enviar sms's de felicitação e exaltação de ano novo.
28 de Julho

[...] Quaisquer que sejam os costumes novos e ligações de família, e por maior que tenha sido a ausência, o lugar onde alguém passou os primeiros anos há-de dizer à memória e ao coração uma linguagem particular.
(Memorial de Aires, 1908, Machado de Assis)

5.8.09

dinastias

Da terra de onde venho a endogamia é costume; faz as maravilhas da população.

tempos mortos: Miami


(Dexter, season 2, [TV series])

Miami é passatempo agradável, belíssimo entretenimento (Miami Vice, 2006, de Michael Mann; Scarface, 1983, de De Palma; ou Some Like it Hot, 1959, de Wilder - também no mesmo saco).
Dexter é uma série deliciosa, tanto na sua estética bem como na atmosfera (luz, música, ambiente). E Michael C. Hall (como Dexter Morgan) é irresistível.

O que faz de Miami um local tão apetecível, actualmente, para as séries de televisão?

4.8.09

Morel (2)

"Bate com a mão mesmo", Joana pediu.
Apoiado na mão direta, dei um tapa com a esquerda no rosto de Joana. Joana fechou os olhos, o rosto crispado, não emitiu um som sequer. Dei outro tapa, agora com a mão direita, com mais força.
"Bate, bate!"
Bati com violência. Joana deu um gemido lancinante. Continuei batendo, sem parar.
"Me chama de puta..."
"Sua puta!"
"Mais, mais!..."
Chamei Joana de todos os nomes sujos, bati com força no seu rosto. Nossos corpos cobertos de suor. Lambi o rosto de Joana, em fogo das pancadas recebidas. Nossas bocas sorviam o suor que pingava do rosto do outro. De dentro de mim, de um abismo fundo, vinha o orgasmo, uma pressão acumulada explodindo.
(O Caso Morel, 1973, de Rubem Fonseca)

Outro Morel literário (fantástico e com motivos de romance policial) é o da também estreia de Adolfo Bioy Casares (1914-1999), A Invenção de Morel (1940). Aqui, Morel é o cientista(/cineasta?)-holograma responsável pela arquitectura teórica do romance (o cinematógrafo que permite a ilusão do narrador-protagonista: os turistas rotineiros que não o vêem). O narrador, fugitivo, só, numa ilha de espectros (sombras cinematográficas), único corpo real numa trama virtual, persegue, em registo diarístico a mulher de Morel, Faustina, incorpórea, sem alma, condenada à eternidade.

O (Paul) Morel de Rubem Fonseca (O Caso de Morel), por sua vez, encarcerado numa (ilha-)cela viaja com seus escritos (de que se arrepende várias vezes) e com objectivos fixos de performance física: bater o record presidiário de mil flexões diárias.
A família - mote activado pelo artigo "A Sagrada Família" (P2 [Público], 2.8.09), de Pedro Mexia - é conceito lacunar e, ao mesmo tempo, nostálgico n'O Caso Morel. Paul Morel, esquelético e febril, com ar de pneumónico, alimenta-se (de), e consume-se em mulheres; tem devaneios e partindo deles quer formar uma família feliz: ele, macho alpha em alcateia de mulheres. Morel apegado a uma ideia oportunista e distópica de família.

(Lilian [Carmen])
(...) ser puta é muito chato, é muito melhor ser mulher de família... Tenho dito. (Lilian passa o microfone para Aracy.)
(Joana)
Porque de dia ele mata os porcos, os cabritos, ouve os bramidos e se cobre de sangue e à noite vai para a cama com a filha, a mulher que ele ama e que o ama, e assim, fazendo o que gosta, o inocente e bom homem só pode ter uma mente saudável.
(O Caso Morel)
A minha Anabela vai-se embora. Leva-me as fantasias depois de um flirt prometedor.

3.8.09

Morel (1)

O meu pau enrijecido fica portentoso, modéstia à parte; mole, ele quase desaparece. Quem entendesse de pênis, como W. H. Auden, por exemplo, ao ver o meu, amolecido, saberia pelos vincos da pele, que, duro, ele aumentaria muito de comprimento e largura, e ficaria roxo, coberto de veias salientes. Mas nem todos têm olhos de poeta para ver. (O Caso Morel)

Rubem Fonseca (n. 1925) é cinema. No seu primeiro romance, O Caso Morel (1973), é literatura erótico (/pornográfico)-policial (mas porquê reduzi-lo?), reflexão sobre a arte contemporânea, e continua sendo cinema.
"Você mandou alguma coisa para a Bienal?"
"Mandei. Conexão."
"Conexão?"
"De esgotos. Vários tubos ligados, um intestino quadrado."
"Foi aceito?"
"Foi."
É pungente, humor seco, debochado, directo, cortante, transgressivo, de moral duvidosa (a melhor). As personagens são marcadas em algumas palavras.
"Entra dentro de mim... quero que você faça tudo comigo!" Joana queria ser espancada, aviltada, sodomizada, queria ter o rosto lambuzado pelo sêmen. Fiz sua vontade.
O livro foi lançado em plena ditatura miliatar e logo confiscado pelas autoridades.
Paul Morel (ou Morais, no B.I., porque Morel é artístico, e ele logo se envergonha desse maneirismo) é artista de vanguarda, eclético, protagonista deste romance (a par de Vilela). Joana (na auto-biografia de Morel) ou Heloísa Wiedecker (na realidade ficcional) é a perturbante (e memorável) jovem amante de Morel, por ele assassinada. O romance é Morel em sua cela da prisão fazendo flash-backs através da auto-biografia que vai escrevendo, intercalada com conversas com o ex-'policial' e escritor Vilela, que tenta entrar na vida de Morel, percorrendo itinerários da biografia e passado (duas coisas com algum grau de diferença). Em sua biografia vão desfilando as mulheres de Morel (e de Fonseca): Joana (jovem burguesa masoquista com pendor para a arte), Isménia (Aracy, "pintora naive"), Carmen (Lilian Marques, ex-prostituta), Elisa Gonçalves (Marta Cunha, "mulher rica e famosa") - duplas, escondidas em pseudónimo literário, a família de Paul Morel.

(Morel)
"Eu saio na frente. Vou buscar o chicote e te encontro no apartamento."
Exit Joana.
Os 'exits' de joana me davam calafrios.
@ ventura bravo [venturabravo@gmail.com]


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