Agora que apareceu o Google Buzz (novo desgraçado icon no gmail), fala-se do confronto entre Google e Facebook. Não é a batalha entre os dois que me interessa. Mas o de saber até quando se pode resistir, mantendo-se afastado de ferramentas de clara invasão da privacidade, de incómodo acesso a dados e informações que não queremos saber, mas aonde mais cedo ou mais tarde acabamos por aceder - aqui esvai-se a ignorância (ou uma certa ingenuidade), essencial para alguma paz de espírito: não queremos saber o que andam os amigos, ex-namoradas, inimigos a fazer; podemos ter curiosidade, porém, em última análise, prefere-se não saber.
Estas ferramentas também não são mais do que um aumentar da virtualização das relações (des)'h'umanas. A existência baseia-se em dados (zeros e uns) num espaço sem existência física (que é o espaço futuro). Relações que rejeitando a voz já se haviam acomodado ao 'desresponsável' sms (e é verdade que é mais fácil, mais fácil, e uma ilusão de contacto). Estamos em permanente contacto com todos, pode-se ser passivo e não actualizar os perfis sociais tornando-se assim ainda mais explícita a posição de voyeur (uma declaração de intenções), categoria a que todos (de uma forma mais ou menos mascarada) pertencem. A exaltação do voyeurismo, do exibicionismo, da espionagem e do controlo (surveillance).
As redes sociais da internet são (perigosas) ferramentas de informação (<-- reveladora, que pode ser prejudicial para os próprios utilizadores). E aderimos todos, voluntariamente, a esse espaço (virtual) de controlo (Big Brother), de monitorização humana - de encontros, reencontros (e desencontros). Sim, prefiro o acaso de um reencontro, ao digitar de um nome dos tempos do liceu. Esse clique muito pouco tem de reencontro, e o desdobrar de uma vida interrompida/ desaparecida, por exemplo, aos 17 anos pode ser um choque, uma surpresa, uma ilusão (/truque) - pensando bem há algo de novela de folhetim nestas relações/ reuniões virtuais: todos os dias, todas as semanas novos capítulos de vidas 'reais'(?) [ou romantizadas] a que temos acesso. A virtualização é um processo de miscigenação do real e da ficção (<-- do imaginário, da possibilidade): podemos reinventar-nos, criar desvios à nossa realidade/ existência (as mentiras sempre existiram, seja no contacto humano ou virtual - este mais propicio à desresponsabilização), o que já acontecia com os 'chats' (tempos do IRC). Preocupa talvez o facto de estas redes sociais, como o Facebook, já não serem só ferramentas de comunicação, mas lugares de existência, uma existência paralela à real (corpo, com corpo, de corpo, digo). E até que ponto, num futuro não muito distante será 'obrigatório' pertencer, nelas estar inscrito, para se existir enquanto 'pessoa' (virtual). Podemos brincar pensando numa transferência cada vez maior da existência humana do espaço real para o virtual (e nisto lembramo-nos de Matrix - onde o virtual é mais real que o real e o real é um inferno que quase ninguém quer viver [uma generalização, claro]).
Quando serei obrigado, talvez por questões profissionais(? e que outras, agora estou algo esvaziado), a aderir à partilha de dados, de movimentos, do rastreio. O Facebook (e afins) pertence à era pré-chip, é um momento de transição: é a habituação a novos mecanismos de controlo que acabará na vigilância permanente (o ideal de um chip[gps] em cada ser humano, que recolhe todos os dados fisiológicos e quem sabe mentais). Não sou apologista de um discurso catastrófico. As civilizações adaptam-se e alteram-se, adaptam-se a novos tempos: as sociedades (as ferramentas da web 2.0) crescem e destroem-se também. Nem tudo é mau. Há sempre alguma resistência. Mas a virtualização das relações humanas é uma merda.
A virtualidade não é algo que eu busque. E nas redes sociais só se aumenta a distância entre corpos: são mais os nomes, o contacto, maiores os equívocos, maior a superficialidade, porque a virtualidade, por enquanto, é apenas superfície, uma forma sem corpo. É por isso que alguma dança contemporânea me comove: os corpos, vivos, com texto, afectos, pulsões, intenções (des)ocultando-se. Preferível ver um amigo do outro lado do Oceano uma vez a cada dois anos, do que seguir-lhe a vida (sorrateiramente). Sou a favor da ignorância, do exílio (isolamento) no real.