Levantei-me, reparando que a minha mãe olhava para mim de relance, antes de se concentrar no trabalho novamente. Saí disparado para a casa de banho e inspeccionei a minha boca, mas não encontrei nenhum vestígio de batom. Permaneci diante do espelho e confirmei a minha avaliação prévia em relação ao meu rosto. Não era apenas rude. Era melancólico e mal-humorado. Perguntei-me qual seria exactamente a aparência de uma rapariga nua... qual seria a aparência de Evie. Não tinha uma ideia precisa, mas pensei que deveria ter óptimo aspecto. Dei por mim a imaginar o mesmo acerca de Imogen Grantley, mas depois recompus-me, consternado por ter pensado, mesmo que inadvertidamente, nas duas em simultâneo. Sabia bem que não devia pensar assim, nem desejar semelhantes coisas. Tinha apensa dezoito anos e o que deveria interessar-me era o críquete, o futebol, a música, as caminhadas e a química. Mas Imogen venceu a competição, subtil e indescritível. Encostei a minha testa no pequeno espelho, fechei os olhos e permaneci assim durante muito, muito tempo. Não pensei. Senti.
William Golding, A Pirâmide [1966] (trad. João Cruz, Lisboa: Babel/ Ulisseia, 2011, p. 72)