FOLIAL — Blasfemo!... A que vai morrer é bela, pura e santa. Morre por causa do silêncio e das trevas deste Palácio, onde as paredes a espreitam e os salões de festejos encobrem alçapões e instrumentos de suplício. Ela morre à força de viver entre seres sinistros, longe do sol, sequestrada e estrangeira nos seus próprios domínios. Morre, Rainha sem povo dum Reino empapado em sangue, onde reinam os espias e os inquisidores. Eu digo-vos: a Morte é benfazeja e desejo-lhe a vinda como vós a tendes desejado. E ela chegou depressa porque nunca erra longe destes lugares que partilha em comunhão com a loucura.
Michel de Ghelderode, O Escurial (trad. Júlio Gesta).
Michel de Ghelderode, O Escurial (trad. Júlio Gesta).