notas culturais, fragmentos do exílio - venturabravo [at] gmail [dot] com

29.3.13

o novo


LEOPOLDO: Não olhes! (Ela persiste.) Horrendo! Não olhes! (Ela ignora-o.) Pronto, se tens de olhar olha. (LEOPOLDO vai ter com ORPHULS.) Estás louco? Tapem a campa! Em que é que Viena se vai tornar? Queres ser bispo e matas a tua mãe, estás louco? Tapem-na completamente! Estamos a construir uma Europa nova e tu fazes isto, estás apaixonado pelo Starhemberg, ele come-te a alma, horrorizas-me! (A IMPERATRIZ junta-se a eles.) Temos de prendê-lo e declará-lo louco. Tens outra sugestão?
   ORPHULS: Não estou louco. Estou perfeitamente normal, mais ainda.
   LEOPOLDO:  Em que sentido!
   ORPHULS: Nunca estive mais apto para a minha tarefa.
   LEOPOLDO: Qual tarefa! (Volta-se para a IMPERATRIZ.) Ele parece um clérigo perfeito, transpira autoridade, quem não lhe confessaria o pecado mais sórdido e no entanto — (Vira-se para ORPHULS.) Queres ser julgado, é isso que tu queres? Queres ser enforcado, é isso que tu queres?
   ORPHULS: Talvez,
   LEOPOLDO: Talvez? É óbvio que o exiges.
   ORPHULS: Exijo a infelicidade, isso é que é óbvio.
   IMPERATRIZ: E ser esta uma era tão feliz! Nunca houve tal felicidade! Toda esta felicidade e tu vais e bates na tua mãe com um calhau. Foi um calhau?
   ORPHULS: Uma tábua.
   IMPERATRIZ: Uma tábua. (LEOPOLDO geme.)
   ORPHULS: Ela não atribuía qualquer valor à sua vida. Era um fardo para ela. Ao passo que a morte dela significa muito para mim. Portanto tudo apontava para a sua extinção.
   LEOPOLDO: Principalmente o Starhemberg! O dedo dele, principalmente. Eu posso ter desejado matar a minha mãe. E se eu tivesse, em que me teria tornado!
   ORPHULS: Excessivamente vivo. (Agarra LEOPOLDO.) É um segundo nascimento e, como o primeiro, provoca um tal afluxo de ar nos pulmões por abrir, debati-me no chão vermelho como um bebé, os meus membros por estrear rasgando o ar, e ele levou-me ao colo, carregou-me para casa como uma ama maternal! Ali! (Aponta.) Ali é o lugar da minha natividade! (Pausa.)
   LEOPOLDO: Uma moralidade nova, pedimos nós. E recebemos isto.
   ORPHULS: Apalpa-me! Sou novo. [pp. 80-82]

Howard Barker, Os Europeus — Lutas para Amar [1990]

poesia

TERCEIRO MENDIGO: Ainda te hão-de vazar um olho, ou furar o nariz, atrevo-me a sugerir, os miseráveis guardam rancor, tendo pouco mais para guardar... (STARHEMBERG olha para ele.) Acho possível que sejamos parentes...
STARHEMBERG: Como toda a humanidade, se pudéssemos fazer escavações nos quartos.
TERCEIRO MENDIGO: Touché, mas eu sou um Esterhazy da linha excluída.
STARHEMBERG: Reconheci o nariz.
TERCEIRO MENDIGO: não procuro favores, viste a minha irmã, não procuro favores, obviamente,meteram-na num asilo em Estragom —
STARHEMBERG: Vai-te embora, vai —
TERCEIRO MENDIGO:  Num quarto, e acorrentada, como é que pode escrever poesia nessa posição, os grilhões foram presos ao tecto, eu teria achado isto impossível, foi internada apenas por causa da sua poesia, não rimava, percebes, não peço favores, porque é que ficaram bacos, os teus olhos? [pp. 53-54]

Howard Barker, Os Europeus — Lutas para Amar [1990]

o europeu

LEOPOLDO: Eu rio-me!

IMPERATRIZ: (Para LEOPOLDO.) Como tu fazes, como tu também fazes... (Beija LEOPOLDO.) Starhemberg, temos agora de inventar o europeu, a partir de bocadinhos partidos. Colar cabeça a ventre e assim por diante. E prender cabelo a crânios rachados e loucos. E parar de ter vergonha. Agora vai, oh excelente actor, vai lá... (Ele faz uma vénia.)


Howard Barker, Os Europeus — Lutas para Amar [1990] (tradução de Francisco Frazão, Lisboa: Edições Húmus/ TNSJ, 2010, p. 39)

18.3.13

direitos de autor &etc



A posteriori, há certamente livros que gostou mais de editar.
Tocou num ponto que é esse a posteriori. Ora, eu não sei o que é isso do a posteriori e vou-lhe já dizer porquê: eu não olho a vida com o olho do cu. Para trás, eu não vejo nada, pá.
(...)
Nunca se arrependeu de ter feito um livro: "Ah, eu não devia ter feito aquela merda!"
Já fiz merda e sei. Isso até é um slogan da casa. Tenho dito a alguns dos meus colaboradores mais próximos e mais queridos: "Podemos fazer merda, sim senhor, é merda mas é nossa." Isto para não confundir com a merda alheia. Mesmo na merda própria há de haver algumas características que a torna efectivamente com direito de autor.

Vítor Silva Tavares, entrevistado por Carlos Vaz Marques (Revista LER, nº 119, Dezembro 2012)
@ ventura bravo [venturabravo@gmail.com]


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