CAL
[...] Mas não é por estarmos no fundo deste buraco que nos devemos deixar ir, pelo menos é o que penso. Eu, por exemplo, interesso-me por montes de coisas, gosto de conversar, gosto de me divertir, gosto sobretudo de trocar ideias. Olha, podes não acreditar, mas era doido por filosofia. E onde é que há disso aqui? Não, África não é o que a gente julgava bébé. E até os velhos que cá estão não nos deixam trazer ideias novas; a empresa, o trabalho, não temos tempo para mais nada. E no entanto ideias não me faltam, ou antes, não me faltavam. À força de pensar, pensar, pensar sempre sozinho, as ideias acabam por rebentar na cabeça, uma a uma; assim que ponho alguma em marcha, plof, como um balão, plof.
(pp. 53-54)
O SONHO DA CASA DE CAMPO DOS COLONOS, SEGUNDO HORN
Todos sonham com a França, mas ninguém sai daqui. Todos falam da casa de campo francesa, e fazem planos durante anos, mas nem de rastos saíam daqui. É certo que se queixam, não páram de queixar-se, mas há uma coisa que eu sei: onde houver dinheiro, não há pontapé no cu que consiga afastar alguém que dele tenha provado. E, na África, dinheiro é coisa que não falta. É por isso que nem do seu campo, nem da sua França, alguma vez recebi qulquer postal desses sonhadores.
(p. 124)
Bernard-Marie Koltès,
Combate de negro e de cães (1979) [trad. Eduardo Siopa, Lisboa: Edições Cotovia, 1999].
[Imagem:
White Dog (1982), de Samuel Fuller]