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Aqui há uns anos, quando a revista Time escolheu para personagem de um dos anos desta década o "eu" — este "eu" que, como autor, leitor e consumidor digital, adquiriu a omnipotência dos soberanos —, ninguém imaginaria que este "eu" se pudesse dedicar a medir e a registar tudo na sua vida mais prosaica: o sono, a produtividade, a disposição.
Não alinho em reaccionarismos antitecnológicos, mas não tardará muito que ele se transforme num monstro totalitário contra ele mesmo, competindo contra o que os seus registos lhe assinalam. Tudo visto, se já inventámos todas as formas de totalitarismo colectivo (político e religioso), não será plausível que ainda nos falte passar pelo totalitarismo individual dos que querem saber tudo, registar tudo, dos que querem renunciar à primeira liberdade do ser humano: a liberdade de esquecer, de não recordar, de não saber?
Também não tardará muito que alguém embarque numa nova experiência mais avançada do que a de [Noah] Kalina [ver Youtube]: filmar-se a si próprio cada minuto, cada dia desde a hora em que nasceu, só com o objectivo de ficar a perceber melhor o que lhe tiver corrido mal na vida. E então teremos a confirmação de que alguns de nós deixaram simplesmente de ser humanos.
Pedro Lomba (in Público de 2010-08-31)
Há 29 minutos
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