'Ouvi Borges dizer que se recordava que uma tarde o pai lhe tinha dito algo muito triste sobre a memória, tinha-lhe dito: "Pensei que conseguiria recordar a minha infância quando cheguei a primeira vez a Buenos Aires, mas agora sei que não consigo, porque creio que se recordo algo, por exemplo, se hoje recordo algo desta manhã, obtenho uma imagem do que vi esta manhã. Mas se esta noite recordo algo desta manhã, o que então recordo não é a primeira imagem, mas sim a primeira imagem da memória. Assim, cada vez que recordo algo, não estou a recordar realmente, mas estou sim a recordar a última vez que o recordei, estou a recordar uma última recordação. Por isso, na realidade não tenho em absoluto recordações nem imagens sobre a minha infância, sobre a minha juventude."
Depois de evocar estas palavras do pai, Borges calou-se durante uns segundos que me pareceram eternos, e logo a seguir acrescentou: "Tento não pensar em coisas passadas porque, se o faço, sei que o estou a fazer sobre recordações, não sobre as primeiras imagens. E isso põe-me triste. Entristece-me pensar que talvez não tenhamos verdadeiras recordações da nossa juventude."'
Enrique Vila-Matas, Paris nunca se acaba (2003), tradução de Jorge Fallorca, Lisboa: Teorema, 2005, pp. 148-149
Há 1 hora
Sem comentários:
Enviar um comentário