O problema não é Lucia não conhecer Torquato Tasso, e sim ela não saber que o fim está no começo. Eu sei, é horrível não ter ilusões. Fico incomodado por ela ser actriz, acordar ao meio-dia e gostar de ir a festas depois do espectáculo, festa de artista é chata como a festa de amanuense ou de dentista, as pessoas se sentem obrigadas a um regozijo álacre. Ou por conhecer os seus defeitos? Quanto mais percebo os seus defeitos menos importância dou a eles, e, além disso, os meus são sempre maiores. Mas, ao mesmo tempo que aprofundar o conhecimento me torna mais compreensivo e tolerante, isso também dissipa o mistério. E, sem mistério, Lucia, essa mulher ebuliente, não me incendeia mais, agora me faz suar apenas. Sei que sou volúvel, inconstante, instável em matéria de ligações e provavelmente isso tudo não passa de racionalização safada. De quinta a domingo tenho que ir apanhá-la depois do espectáculo e vou com o maior prazer, mas, quando digo que não posso ir, ela replica que eu não a amo mais. Pedi-lhe para deixar de depilar os pelos do púbis e ela repetiu que eu não a amava mais. Aliás, esse assunto acabou dando uma discussão idiota. Estávamos na cama, em meu apartamento, quando eu disse que depilar os cabelos do púbis era o mesmo que vandalizar árvores de um lindo bosque. Lucia disse que eu era ridículo, respondi que ridículo era o bigodinho à Adolf Hitler que sobrava depois da depilação. Ela chamou-me de idiota ignorante, a depilação era feita para permitir o uso do biquini. Afirmei que essa não era uma boa razão, que raspar os pêlos das axilas ainda se justificava pelo facto de que sovacos cabeludos empapados de suor fedem até mesmo sob a protecção de desodorantes, mas o que fazia a vagina de algumas mulheres ter um odor desagradável nunca eram os pentelhos. E finalizei dizendo que a cunilíngua tornava-se mais emocionante quando havia uma floresta de pêlos ao seu redor.
Rubem Fonseca, Diário de um Fescenino (2003, Campo das Letras, 49-50)
Rubem Fonseca, Diário de um Fescenino (2003, Campo das Letras, 49-50)
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